Vivemos um momento em que decisões legislativas, interpretações administrativas e práticas judiciais convergem para aumentar a incerteza sobre regras fundamentais do direito privado e público. A combinação entre mudanças no Código Civil (como os alimentos compensatórios), leis estaduais sobre inteligência artificial, entendimentos fiscais contrapostos e crescimento da litigância predatória cria um problema sistêmico: a perda de previsibilidade que dói no investimento e na governança.
A proposta de inserir alimentos compensatórios na reforma do Código Civil pretende criar mecanismo para compensar um cônjuge pela perda patrimonial ou profissional após dissolução conjugal. Juristas elogiam a busca por justiça distributiva, mas alertam: a ausência de critérios objetivos pode impedir aplicação uniforme e ampliar controvérsias judiciais — exatamente o que se vê nas críticas especializadas.
Por que importa
Sem parâmetros claros, todo instituto aberto tende a virar causa repetitiva nos tribunais, elevando custos de transação entre cônjuges e sobrecarregando o Judiciário — um efeito contrário ao pretendido pela reforma.
Fragmentação normativa: leis estaduais sobre IA e o risco de mosaico regulatório
Estados que aprovam normas próprias para IA (casos recentes em Goiás e Paraná) criam zonas distintas de obrigação e responsabilidade para empresas e órgãos públicos. Especialistas advertem que a falta de coordenação com uma norma federal ampla pode gerar conflito de competências, insegurança jurídica e barreiras ao mercado interno.
Efeito prático
Empresas que operam em diferentes unidades federativas enfrentarão custos de conformidade múltipla e decisões judiciais divergentes, estimulando disputas e decisões estratégicas de foro.
A atuação fiscal que contraria jurisprudência: implicações econômicas
A interpretação da Receita de que ressarcimento de despesa de diretor com veículo seria tributável e sujeito a contribuições traz instabilidade: ela diverge de entendimentos jurisprudenciais consolidados sobre natureza do ressarcimento. Tal desalinhamento entre administração tributária e decisões judiciais promove insegurança sobre obrigações fiscais futuras.
Consequência
Insegurança fiscal desestimula planejamento, eleva provisões contábeis e pode resultar em litígios de massa — outro combustível para a litigância e para a percepção de risco regulatório.
Litigância predatória e custo invisível para o sistema
Incentivos institucionais e políticas públicas mal calibradas têm alimentado litigância estratégica: ações movidas por expectativas de ganho processual, não por efetiva controvérsia de direito. Isso produz um custo invisível — consumo de tempo judicial, despesas públicas e incerteza para cidadãos e empresas.
Como medir o impacto
Além do número de processos, é preciso avaliar atrasos na execução, custo de cumprimento das decisões e efeito sobre decisões empresariais que dependem de estabilidade normativa.
Eficiência judicial como remédio (mas não a cura completa)
Melhorar eficiência e efetividade da execução judicial é necessário: celeridade diminui o apelo à autodefesa jurídica e eleva o retorno sobre investimentos. Contudo, eficiência sem clareza normativa não resolve a raiz — é preciso combinar previsibilidade normativa, convergência entre poderes e instrumentos preventivos de solução de conflitos.
Medidas práticas
Protocolos de uniformização (enunciados, súmulas), coordenação legislativa (marco federal para IA), critérios objetivos em reformas civis e diálogo estruturado entre Receita e Judiciário reduziriam a incerteza.
Conclusão — caminho para restaurar previsibilidade
A saída exige duas frentes: (i) normas claras e coordenadas (reforma do Código Civil com critérios objetivos; marco federal para IA); (ii) mecanismos institucionais (harmonização entre administração tributária e precedentes judiciais; políticas para desincentivar litigância predatória). Só assim a confiança nas regras volta a orientar decisões econômicas e sociais em vez de empurrá-las para o tribunal.